A Fauna como inspiração da arte: Histórias em quadrinhos - Zé Carioca (Walt Disney)


Fonte da imagem: http://estudosediscussoes.com.br/a-magia-do-cinema/ze-carioca-leva-donald-a-bahia/

Em diversos sites e outras publicações conta-se a história por trás da origem e criação do personagem de Walt Disney conhecido por nós brasileiros como “Zé Carioca”. Algumas destas abordagens, ricamente ilustradas, estão relacionadas abaixo e vale a pena conhecer. É muito comum o termo HQ para histórias em quadrinhos.

Em linhas gerais, são abordadas, dentre outras coisas: o momento histórico em que Walt Disney veio ao Brasil e os objetivos desta visita; como surgiu o personagem Zé Carioca (quem participou nas etapas de criação, na inspiração para composição do personagem,  o filme que o lançou, quem fez a voz na dublagem do filme); os diferentes nomes que ele recebe de acordo com o país/idioma (“Joe Carioca”, “José Carioca”, “Pepe Carioca”); a sua chegada aos quadrinhos em tiras de jornal, em revistas do Pato Donald até ter sua revista exclusiva. Enfim, é a história por trás da estória. Ou seria “história por trás da história”? Para isto confira o que dizem alguns estudiosos do assunto: "palavra mais correta e socialmente aceita é história. A palavra estória aparece em dicionários e no vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras mas não é unanimemente aceita, sendo o seu uso condenado por muitos por se considerar uma “invenção” brasileira, sem necessidade de existir. Há também quem defenda que devemos utilizar o termo história para a narração de fatos documentados e situações reais sobre o passado da humanidade e o termo estória para a narração de fatos imaginários, de ficção" (https://duvidas.dicio.com.br/historia-ou-estoria/)

É certo também que através deste personagem, seus filmes e suas histórias em quadrinhos, foram divulgadas muitas coisas do Brasil: belezas naturais, modos de vida e costumes, lendas, a cachaça, o samba e outros gêneros musicais, o jeito malandro (“jeitinho brasileiro”), músicas e músicos da época, dentre outros. Há quem condene ou, pelo menos, pede melhor representação do Brasil já que o estereótipo que o personagem adquiriu após os dois filmes e sua entrada para as HQs é carregado de malandragem, aversão ao trabalho, preguiça e outras coisas consideradas negativas, pejorativas.

Mas nosso propósito aqui é falar sobre o papagaio (espécie) por trás do personagem.

Os papagaios brasileiros pertencem à ordem dos Psittaciformes, à família dos Psittacidae (“psitacídeos”) (no Brasil com 86 espécies entre papagaios, araras, periquitos e afins segundo o CBRO, 2014: http://www.taxeus.com.br/listamaisinformacoes/2582) e ao gênero Amazona estando representados por 12 diferentes espécies (CBRO, 2015: http://www.taxeus.com.br/lista/7439). Então não existe apenas “o papagaio”, mas sim várias espécies e com nomes diferentes dependendo da localidade de ocorrência. Muitas vezes, quando criados como animal de estimação, xerimbambo ou pets, são genericamente denominados de “loro”. Ressalto aqui que criar animal silvestre brasileiro (no caso qualquer papagaio brasileiro do gênero Amazona ou os demais membros da família) é crime ambiental (Lei 9605 de 1998, demais Portarias e Instruções Normativas do órgão responsável - Ibama), salvo se for adquirido de criadouro comercial registrado no Ibama.

Este interesse pelos papagaios como pets geralmente está (ou esteve) relacionado a sua capacidade de imitar, grifem IMITAR sons, barulhos e a própria fala humana. Ressaltamos que apesar de muitos acreditarem que eles “conversem” de fato e respondam aos seus “donos” trata-se de um comportamento condicionado.

E este interesse é bem antigo. Laura de Mello e Souza (2001) no artigo “O nome do Brasil” na Revista de História da USP (n° 145) cita que a partir da sua descoberta pelos portugueses o Brasil já era designado como “Terra dos papagaios” em alguns mapas como no Globo (“mapa mundi”) de Schöner em 1520 e o de Ptolomeu de 1522. No “mapa de Cantino” (1502), que de fato não o seu autor, já aprecem araras vermelhas junto ao pau-brasil nas terras brasileiras.

Voltando ao personagem Zé Carioca, no filme “Alô Amigos” (1942) completo (e não apenas no curta específico da parte do Zé Carioca, este com cerca de 8 minutos apenas), que mistura imagens da visita do pessoal dos estúdios de Walt Disney à América do Sul e os desenhos animados produzidos e resultantes desta mesma visita, aparece uma espécie de papagaio: o papagaio-do-mangue ou curica Amazona amazonica. Porém, cabe ressaltar que a fama de melhor “falador” é do papagaio-verdadeiro Amazona aestiva, fato que o tornou muito cobiçado como animal de estimação. Aliás, as duas espécies se parecem bastante: são de cor geral verde, e têm amarelo e azul na cabeça. Mas existem algumas sutis diferenças entre os dois (que podem não ser tão exatas dependendo da subespécie):
Características
Amazona amazonica
Amazona aestiva
Encontro da asa

Amarelo ou verde
vermelho
Espelho alar

abóbora
vermelho
Bico

Claro com cinza
preto
Cauda

nódoas vermelhas
nódoas abóbora
Cores em volta dos olhos

amarelo abaixo e azul acima
amarelo acima e abaixo
Tons de azul e amarelo (cabeça: comparativo)
mais intensos
mais esmaecidos





Bem, o tal papagaio que aparece no vídeo (Amazona amazonica) ocorre de fato no Rio de Janeiro. Já o A. aestiva não. Mas como espécie cobiçada para fins de estimação foi levado (e, provavelmente ainda o seja) a diferentes lugares fora de sua área original de ocorrência. Por outro lado, o papagaio-chauá ou papgaio-da-cabeça-vermelha Amazona rhodocorytha também tem ocorrência no Estado do Rio de Janeiro e, no Estado vizinho do Espírito Santo, por exemplo, onde também ocorre, já foi amplamente usado como pet e, pela minha experiência, já foi um dos mais encontrados em residências bem como um dos mais apreendidos no tráfico ilegal deste Estado (observação pessoal).

Espécie que aparece no filme "Alô amigos": papagaio-do-mangue ou curuca Amazona amazonica. O amarelo da cabeça é atravessado por uma faixa azul. (Foto: Pedro Paz)

Note o vermelho escarlate na região do "encontro" da asa e o amarelo forte acima e abaixo dos olhos do papagaio-verdadeiro Amazona aestiva. (Foto: Pedro Paz)

Uma das espécies de papagaios apreciada como pet: papagaio-da-cabeça-vermelha ou papagaio-chauá  Amazona rhodocorytha. (Foto: Pedro Paz)

De fato, fica um pouco difícil afirmar se uma espécie em particular inspirou a criação do Zé Carioca. A mostrada no filme, as duas citadas aqui ou qualquer outra. Analisando as características do personagem:
  • Parte visível da plumagem do corpo: verde.
  • Bico: amarelo.
  • Cauda: vermelha e azul ou verde.
As características acima não correspondem a nenhuma das espécies de papagaio (gênero Amazona) brasileiro que conheço. Antes, e mais provável, é que o personagem seja apenas uma figura fictícia podendo até ser a junção de diversas espécies (ou não). De qualquer forma, ele foi o responsável pela divulgação de um pouco do que existe no Brasil para fora dos seus limites territoriais, pois junto com o personagem foram músicas, cantores, natureza, lendas, gastronomia e muito mais. É a fauna inspirando a arte!



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Nos links abaixo o acesso aos dois filmes completos onde aparecem o Zé Carioca.

Alô Amigos

Você já foi a Bahia?
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