Nomes populares, locais, comuns ou vernáculos: riqueza cultural ameaçada.
Trabalhando com a fauna silvestre brasileira, em especial a da Mata Atlântica, desde o final dos anos 1980, nesta sequência abordo diferentes animais e assuntos a eles relacionados dos mais variados tipos: espécies, conceitos, informações publicadas (algumas distorcidas que devem ser comentadas), histórias... (Fotos: © Pedro Paz).
Em nossas andanças temos visto a grande riqueza cultural no que diz respeito às informações passadas de pais para filhos e que ainda persistem Brasil a fora. São as denominações locais dadas aos atributos naturais que os cercam, no caso em particular aos animais. Aqui iremos considerar como sinônimos ou correspondentes as denominações de nome “popular”, “local”, “comum” e “vernáculo” (ou vernacular).
Quanto à denominação de uma
espécie, devemos considerar três situações:
- O nome comum (popular, local) dado pela população a uma espécie é transmitido entre as gerações. Estes, seguindo algumas recomendações, sugere-se que sejam escritos de forma minúscula e, se composto, com hífen (bem-te-vi mas há quem prefira bentevi).
- Em muitos casos, pela ausência conhecida de verdadeiro nome comum, os próprios estudiosos “inventam” tais nomes popular para uma espécie.
- O nome científico de uma espécie escrito segundo as regras internacionais de nomenclatura (aquela escrita que tem dois nomes, o primeiro maiúsculo e que deve ser escrito de forma destacada, ou seja, em negrito, itálico e/ou sublinhado como por exemplo o bem-te-vi: Pitangus sulphuratus ou Pitangus sulphuratus ou Pitangus sulphuratus ou Pitangus sulphuratus).
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bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) |
Bem, tendo estas noções, podem acontecer as seguintes situações para um determinado nome popular:
Uma mesma espécie animal (ou planta) pode receber nomes diferentes em lugares diferentes. Alguns exemplos:
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piaçoca / jaçanã (Jacana jacana). |
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lavadeira / libélula / lava-cu / lava-bunda (Insetos: Odonata). |
Neste caso, ainda existem
variações muito próximas que a língua portuguesa denomina corruptela (alteração
ou perda das características que identificam alguma coisa ou forma errada de
pronunciar ou escrever uma palavra. Veja mais em: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/corruptela).
Isto está diretamente relacionado
à oralidade (a transmissão oral dos conhecimentos armazenados na memória
humana). Exemplos:
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“pica-pau” / “pinica-pau” (ave).
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“nambu”/ “inhambu”/ "inambu" /"lambu" /"anambu"(ave). |
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“pinta-silva” / “pintassilgo” (ave). |
Por outro lado, um mesmo nome popular pode identificar
espécies diferentes, não só dentro de um mesmo grupo (aves, por exemplo), mas
também grupos bem diferentes (aves e insetos). Exemplos:
guaxe: tipos de aves (Cacicus haemorhous e Psarocolius decumanus).
cigarra: aves (como Thamnophilus ambiguus, sul da Bahia e Sporophila falcirostris) e insetos (ordem Hemiptera).
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cigarra (Thamnophilus ambiguus). |
cigarra (inseto Hemiptera). |
Ao contrário das espécies que possuem mais de um nome popular, existem ainda aquelas de denominação “genérica”, ou seja, as que pertencem a grupos (no caso famílias ou outros grupos) e que muitas vezes não são diferenciadas pelas pessoas sendo referidas como se fossem apenas uma. Como casos evidentes disto podemos citar: gavião, coruja, beija-flor, pica-pau, andorinha, macaco, gato-do-mato, tatu, formiga, aranha, mosquito, besouro e uma infinidade de animais (em especial os invertebrados). Isto pode estar associado a diferentes fatores tais como:
· tratar-se de um grupo de espécies muito parecidas
(“crípticas”) e, em alguns casos este fato passa despercebido;
· tratar-se de espécies de visualização (encontros)
menos comuns que os demais (ex.: são de hábitos noturnos, vivem bem escondidos
em seu habitat ou são raros);
· serem espécies que despertam pouco interesse (ex.: não
são interessantes como alimento ou como animal de estimação (pet), não são vetores de doenças ou
“pragas”) ;
· apesar de existirem diferentes espécies daquele grupo,
naquela região só tem uma (ou as pessoas assim supõem).
Porém, cada vez mais no
“mundo globalizado”, este conhecimento cultural, dos nomes populares locais,
está ameaçado. É muito comum atualmente, ser difícil encontrar morador de
determinada região que saiba dizer que animais existem em sua área, ou ainda,
quando conhece, a denominação nem sempre é mais a que seus antepassados davam,
mas sim a de outro local, quer seja por ter sido trazida por visitantes
externos ou pela mídia em
geral. Assim , por exemplo, no interior do Espírito Santo, é
comum chamarem o macaco “barbado” Alouatta
guariba (nome mais comum para o Estado) de “bugio”, notadamente uma
influência mais do sul do Brasil.
O “certo” mesmo, na nossa opinião, é que quando
alguém fala um nome popular não deve ser corrigido, respeitando-se as
particularidades da oralidade local. Porém, deve-se destacar também que, às
vezes, ocorre a confusão na identificação de determinada espécie ou, não se tem
conhecimento suficiente sobre ela, o que de fato pode incorrer em ‘erro de
identificação’.
Existem duas correntes sobre
este assunto para as aves brasileiras: uma defende os nomes populares regionais
e a outra os nomes genéricos (gerais) para todo o país. Para ver mais sobre o
assunto:
De fato existem muitas discussões sobre o assunto
que envolve a comunidade científica (como o Comitê Brasileiro de Registros
Ornitológicos – CBRO) e leigos apaixonados por aves e que se empenham em
registrar e acompanhar as identificações como o pessoal do fórum do Wikiaves, confira um exemplo disto em:
http://www.wikiaves.com.br/forum/showthread.php?tid=4993.
Eu, particularmente, sempre valorizei, em meus trabalhos de campo, os nomes populares regionais como forma de apreciar e incentivar a cultura de determinado local. Existem informações primorosas que podem ser resgatadas e cuja informação às vezes é custosa e precisa ser lapidada (é preciso “tato” e “sensibilidade” na busca da informação). Neste caso, as informações por entrevista (uma das minhas paixões) é um trabalho meticuloso e que deve ser bem conduzido. Não poderia deixar de relembrar aqui o registro do “jaú-torino” (VENTURINI et al., 1996). Quando do nosso trabalho no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha em Guarapari, ES, o Toninho (nosso mateiro e grande auxiliar de campo) falou ao Pedro, no início das nossas andanças por lá:
http://www.wikiaves.com.br/forum/showthread.php?tid=4993.
Eu, particularmente, sempre valorizei, em meus trabalhos de campo, os nomes populares regionais como forma de apreciar e incentivar a cultura de determinado local. Existem informações primorosas que podem ser resgatadas e cuja informação às vezes é custosa e precisa ser lapidada (é preciso “tato” e “sensibilidade” na busca da informação). Neste caso, as informações por entrevista (uma das minhas paixões) é um trabalho meticuloso e que deve ser bem conduzido. Não poderia deixar de relembrar aqui o registro do “jaú-torino” (VENTURINI et al., 1996). Quando do nosso trabalho no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha em Guarapari, ES, o Toninho (nosso mateiro e grande auxiliar de campo) falou ao Pedro, no início das nossas andanças por lá:
-
“Ali tem um jaú-torino” (apontando para um emaranhado na copa de uma árvore).
-
Como assim? Você quer dizer jacu?
-
“Não Pedrinho. É bicho de pelo, não é bicho de pena...”
E lá estava um mamífero ameaçado
de extinção o “ouriço-preto” Chaetomys
subspinosus, até então, com registro apenas para o sul da Bahia e que já
havia anteriormente sido considerado extinto.
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jaú-torino, ouriço-preto (Chaetomys subspinosus). |
Não ignoro a validade das
listas gerais, dependendo do tipo de trabalho, mas sem dúvida, os nomes locais
têm o seu lugar e sua importância.
Obs.: Os nomes científicos das espécies de aves aqui
referidas seguem a listagem do Brasil de acordo como o CBRO (Comitê Brasilerio
de Registros Ornitológicos) 2015 bem como registros próprios do nosso
conhecimento.
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Alguns livros clássicos para nomes populares de diferentes grupos animais (Foto: Ana C. Venturini) |
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