A valorização do que vem de fora: espécies “invasoras”
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“ Não, mas o
senhor está fotografando o quê? Ah, este tucano? Não isto aí é comum. Bonito
mesmo é aquela ave pernuda, grande”.
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Qual?
- Aquela, que dá lá no pasto, bico laranja,
perna grande, tem uma crista na cabeça. Como é mesmo o nome? Ah, sim a siriema...
Esta foi a tentativa de
reportar um trecho de uma conversa em certa expedição de campo na companhia de
outros colegas biólogos (Pedro Paz, J. Fernando Pacheco, Claudia Bauer) no
final dos anos 1990 em áreas próximas ao Parque Estadual Forno Grande, sul do ES,
quando Pedro tentava fotografar o tucano-de-bico-verde Ramphastos dicolorus espécie endêmica da Mata Atlântica serrana.
tucano de-bico-verde em Alfredo Chaves na região serrana do Espirito Santo.
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Cariama cristata seriema (foto Pedro Paz, Alegre ES, 2005). |
A seriema (ou siriema) Cariama cristata é uma ave de área
aberta e que tem ampliado sua ocorrência, distribuição (não gosto do termo
invasor, acho que deve ser usado com ressalvas) para dentro do Domínio de Mata
Atlântica cuja barreira original – a
mata – foi retirada, dando lugar a áreas de campos e pastagens, propiciando sua
expansão. Mesmo que ela ocorresse no passado neste Estado, certamente não o era
como hoje, tão comum. Quem visita o Parque Estadual de Pedra Azul (ES) e suas
cercanias, frequentemente pode ver um par ou até grupo destas aves (já vimos
seis juntas por lá) cuja vocalização é inconfundível [ veja o video abaixo].
seriema no Parque Estadual Pedra Azul, nas serras do Espirito Santo.
Hoje a espécie tem sido
registrada em diversas localidades do Estado que tenham seu habitat
preferencial.
É impressionante como temos
percebido pessoas que se encantam com algumas das espécies que “estão
chegando”. Outros exemplos de espécies de outros biomas, diferentes da Mata
Atlântica que já registramos no Espírito Santo e seus limites imediatos como
sul da Bahia e leste de Minas Gerais:
- mico-estrela Callithrix penicillata (muito comum casos de solturas indevidas: tem cruzado com a espécie da baixada o sagui-da-cara-branca Callithrix geoffroyi e gerado descendentes híbridos).
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Callithrix penicillata mico-estrela (foto Pedro Paz, Cachoeiro de Itapenirim ES, 2006) muito comum casos de solturas indevidas (exemplo: no sul da Bahia e Espírito Santo) após ter sido adquirido, muitas vezes de forma ilegal. |
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Callithrix geoffroyi sagui-da-cara-branca (foto Pedro Paz, Reserva da Vale Linhares ES, 2006). |
- lobo-guará Chrysocyon brachyurus (registros esporádicos, espécie errante).
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lobo-guará Chrysocyon brachyurus (foto Pedro Paz, São José do Calçado ES, 2011). |
No caso do lobo-guará, aqui no ES, já gerou até confusão com leão, história que deixo para outra oportunidade.
- sofrê Icterus jamacaii (já ouvimos relatos de indivíduos que foram soltos em diferentes localidades do Estado e o temos registrado em diferentes municípios).
- galo-da-campina (ou cardeal) Paroaria dominicana (idem).
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sofrê Icterus jamacaii (foto Pedro Paz, Alto Varzea Alegre ES, 2007) em princípio, é uma espécie da caatinga. Atualmente registrado em diferentes locais fora deste bioma. |
galo-da-campina ou cardeal Paroaria dominicana (foto Pedro Paz, Parque Estadual de Itaúnas ES, 2012), ave típica do Cerrado. |
Estes animais têm chamado a
atenção dos moradores por onde aparecem e, aqueles, que para eles são “comuns”,
sempre existiram, muitas vezes passam despercebidos e podem até se tratar de
espécies raras e que precisam de atenção e cuidados.
Cabe ressaltar que várias
destas espécies que têm ampliado seu território, muitas vezes são ajudadas,
indevidamente, por pessoas que, por algum motivo, soltam as espécies em áreas
que originalmente não ocorriam. Isto parece uma prática comum do homem e muito
antiga, mas que geralmente traz conseqüências muitas vezes desastrosas para o
ambiente.
Esta aparente empolgação por
espécies visivelmente “novas” me lembra um pouco a história de que “os ovos da
galinha da vizinha são melhores”. Precisamos conhecer e valorizar mais os
recursos naturais, culturais e porque não as pessoas que nos rodeiam. Acostumamo-nos
com o que está ao nosso lado e acabamos nos esquecendo de valorizar.
Ter um animal, seja ele
silvestre ou não, é muita responsabilidade. Por isto não adquira animais se
você não poderá cuidar devidamente deles. E não adquira animais silvestres de
maneira irregular, isto é crime, previsto em lei (Lei 9.605 de 1998).
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